'007 - Skyfall' - Uma bonita homenagem ao Batman

Não vale a pena usar termos como "cópia", "plágio" ou "usurpação". O próprio realizador de 007 - Skyfall (2012), Sam Mendes, admite que usou um determinado filme e um determinado realizador como referências para avançar com este seu primeiro trabalho dentro da saga James Bond. Ao que parece, será também o último, pelo que deverá ser esta a marca deixada por Mendes no mundo "Bondiano".

Imagem promocional de 007 - Skyfall com Daniel Craig (James Bond). Foto: Beyond Hollywood.

Não sendo um fã da saga, passa-me bastante ao lado este mundo do espião britânico mais conhecido em todo o mundo. São 50 anos de filmes, de memórias, de actores, realizadores, momentos icónicos e de uma grande quantidade de pessoas que seguem, religiosamente, os passos de James Bond e anseiam sempre por um novo filme. Foram vários os projectos falhados, ainda assim. Com Sam Mendes, conhecido por ser um bom contador de estórias (dentro dos nove títulos que compõem o seu currículo enquanto realizador, Beleza Americana (1999) e Revolutionary Road (2008) são os mais marcantes), pretendia-se dar uma nova "cara" à saga. Conseguiram-no.

Embora conheça pouco da saga 007, tenho a noção do que é (ou era, veremos no futuro) um filme típico desta espécie de super-herói. São presenças obrigatórias: um genérico, o "Bond. James Bond", o "Martini: agitado e não mexido", um vilão excêntrico e uma (ou mais) Bond Girl. Por mais voltas que se dêem, passando por vilões soviéticos ou terroristas da pior espécie de qualquer outro lado, os filmes de James Bond são mais ou menos isto. Sempre com um final feliz.

Em 007 - Skyfall, de facto, é dada uma volta importante no contexto da saga. Este 007 não está tão colado à imagem da saga, é diferente, deu um passo em frente, determinante para a colocar devidamente no século XXI e deixá-la no contexto do que é o cinema actual. Uma estória mais desenvolvida, mais cuidada e mais envolvente, a fugir do óbvio. O objectivo é, de longe, conseguido. Não fossem determinados apontamentos ao longo do filme e 007 - Skyfall poderia perfeitamente ser excluído da saga por ser tão diferente.

E é tão diferente porquê? Quais foram as grandes mudanças no rumo de uma história de 007? É fácil. Compare-se com O Cavaleiro das Trevas (2008), o segundo filme da saga Batman da responsabilidade de Christopher Nolan. Uma das melhores trilogias de sempre e uma excelente forma de colocar um "mero" filme de super-heróis num patamar que, até aí, não era o dele. Se há motivo pelo qual 007 - Skyfall também se coloca num patamar diferente do resto do legado da saga a que pertence, esse é, sem margem para dúvidas, a "inspiração" de Mendes no Batman de Nolan.

Daniel Craig (James Bond) e Javier Bardem (Silva) em 007 - Skyfall. Foto: Beyond Hollywood.

Vamos, então, a factos. Sam Mendes não o escondeu e afirmou ter usado O Cavaleiro das Trevas como inspiração para o filme. Em primeiro lugar, o vilão (interpretado de forma exímia por Javier Bardem) é muito à imagem de Joker (o de Heath Ledger), mais cerebral, menos ligado ao velho hábito "Bondiano" de procurar dominar o mundo e mais vocacionado para o terror psicológico, no caso, com a M. e, de certo modo, também com o próprio espectador.

O uso de certos comportamentos para aterrorizar as personagens e os habitantes de uma determinada cidade, o disfarce de polícia, o estar sempre um passo à frente dos heróis, o ter sido preso propositadamente porque fazia parte do plano... Tudo isto pode ser dito de Joker em O Cavaleiro das Trevas e de Silva em 007 - Skyfall. O grande aspecto a sublinhar, aqui, é que não são características comuns aos vilões históricos e habituais de Bond. O uso da inteligência em detrimento da força é outro dos aspectos que marcam uma clara cisão entre este 007 - Skyfall e os seus antecessores.

Uma alusão às semelhanças entre O Cavaleiro das Trevas e 007 - Skyfall. Foto: shawnchittle.com.

Não quero com isto dizer que esta adopção de estilo por parte de Sam Mendes é uma coisa má. Dentro do contexto da saga 007 é um filme, claramente, acima da média, precisamente porque adopta um estilo pouco comum e que acaba por ser inovador e bem conseguido. Olhando, de forma isolada, para 007 - Skyfall no âmbito da saga a que pertence, estamos perante um filme bastante bom, diferente do normal e bastante marcante. Provavelmente, o melhor Bond de sempre. 

Acontece que assume essas características e esse estatuto devido a uma colagem demasiado próxima daquele que será um dos melhores filmes da história recente do cinema e o melhor Batman de sempre. Usaram-se os mesmos métodos de construção de argumento de O Cavaleiro das Trevas e perdeu-se em identidade "Bondiana". As Bond Girls são praticamente irrelevantes, ao contrário do que é habitual na saga; o poker e os martinis, irrelevantes para qualquer seguimento da estória, são atirados para fora da "carruagem" e, assim, perdem-se elementos fulcrais na marca diferenciadora da saga.

Daniel Craig continua a parecer-me demasiado mecânico para uma personagem a quem se exige mais do ponto de vista da complexidade do carácter (sentido de humor, charme em vez de comportamento à sex-symbol), enquanto que Javier Bardem é o grande elemento do filme. Genial na interpretação, com um argumento irrepreensível, escrito à sua volta, consegue um estatuto semelhante (distante, mas parecido) ao de Heath Ledger com o seu Joker. Um vilão inteligente, astuto e perspicaz, algo pouco comum no contexto da saga.

A realização, a par de fotografia, efeitos visuais e banda sonora (com o grande ponto positivo que é o musicão de Adele), cumprem e também são marcantes do ponto de vista do que é o passado e as habituais "marcas" da saga.

Javier Bardem (Silva) em 007 - Skyfall. Foto: Beyond Hollywood.

O grande aspecto a reter neste texto é: 007 - Skyfall, enquanto filme enquadrado na saga do espião britânico, é um grande filme. Foge - e bem, porque é um género demasiado visto, acabado e gasto - dos traços comuns da saga, ficando, apenas e só, a ganhar com essa mudança de abordagem. Ainda assim, a mudança de rumo que toma é demasiado colada à construção, absolutamente genial, de O Cavaleiro das Trevas. Perde (bastante) por isso, já que, ao longo do filme, são várias as vezes que dou por mim cansado de ver um filme que parece uma "cópia" de outro. Agora, sem Sam Mendes, a expectativa vai ser grande para perceber como serão feitos os próximos títulos de 007. Volta-se à abordagem mais histórica, uma aposta segura, não arriscando muito? Ou consolida-se a transformação na saga para algo de diferente e - esquecendo qualquer "inspiração" - 007 passa a ser algo mais como este 007 - Skyfall mostrou ser? Fica a dúvida.