«Lincoln» - Talvez seja melhor baixar as expectativas

Daniel Day-Lewis (Lincoln). Foto: Beyond Hollywood.
Lincoln (2012) poderia ser o filme de promoção norte-americana do ano, o elevar do esplendor de um país e de um povo. Poderia também ser o porta-estandarte de Hollywood na americanização do mundo como noutros tempos e noutras guerras. A "capa" biográfica do filme poderia dar-lhe o élan necessário para escapar ao estereótipo de filme americano. Mas não. Lincoln não é mais do que apregoa ser - um filme que retrata um excerto da vida de um dos mais importantes Presidentes dos Estados Unidos da América - mas talvez seja menos do que parece, não chegando a esse ponto de promoção dos EUA no mundo nem a ser um grande filme.

Provavelmente, as 12 nomeações para os Oscars, o facto de ser um filme realizado por Steven Spielberg (um dos mais consagrados da história do cinema), de contar com a participação de grandes actores (Daniel Day-Lewis, Tommy Lee Jones, Sally Field e Joseph Gordon-Levitt são alguns dos muitos nomes a destacar) e de ter uma enorme máquina publicitária por detrás, tenha colocado este filme num lugar muito alto à partida, sem ter sido, ainda, visto por quem interessa: os espectadores.

Talvez tenha sido por isto (elevadas expectativas à partida) que, na minha perspectiva, o filme tenha desiludido. Não é mau, de todo, é bastante bom, até. Mas deixa a desejar para aquilo que nos foi prometido.

Um filme longo, com um ritmo baixo, com uma realização e uma concretização demasiado "televisivas" (como alguém dizia, por suposta influência da maior aposta de Spielberg no género televisivo nos últimos anos), perde no retrato "novelesco" do período retratado (os últimos meses de vida de Abraham Lincoln), apostando numa constante visita à vida familiar do presidente. 

Acontece que fica a meio-caminho: não conta propriamente a sua história familiar ao mesmo tempo que acaba por ganhar num dos pontos prometidos, o do retrato de um momento verdadeiramente histórico. Parece estar "a mais" o drama familiar de Abraham Lincoln quando comparado com os evidentes esforços históricos da abolição da escravatura e da tentativa de colocar um ponto final a uma guerra civil.
Tommy Lee Jones (Thaddeus Stevens) em Lincoln. Foto: Cine.gr.

A aprovação, no Congresso norte-americano, da abolição da escravatura é o grande tema deste filme. O processo de "angariação" dos votos necessários junto dos representantes do Partido Democrata (Lincoln era Republicano e, entre esses, estava garantida a votação), as discussões no Congresso entre os congressistas é, claramente, a parte mais bem conseguida do filme, com realização e interpretação fortes e algumas cenas inspiradoras e arrepiantes do ponto de vista humano.

Num filme biográfico, pensamos estar perante o retratar da vida de alguém. Em Lincoln, isso não acontece com tamanha clareza. Há uma distinção óbvia - Lincoln não está nunca presente no Congresso - entre o que se passa, em termos práticos, relativamente à aprovação da Lei no Congresso e o que se passa com Lincoln (vida familiar e negociações de paz, sobretudo). Acaba, assim, por ser um filme demasiado longo para a história concreta que está a contar, dando demasiada ênfase às questões pessoais de Lincoln ao mesmo tempo que se conta um processo verdadeiramente histórico.

Apesar de toda a desilusão, há aspectos muito positivos que devem ser destacados: a fotografia do filme é absolutamente soberba (aliás, não seria de esperar outra coisa de um filme de Spielberg, que deixa a cargo de Janusz Kaminski, como é hábito, a tarefa de embelezar a sua obra), assim como as prestações individuais de Sally Field (uma sôfrega e realista esposa de Lincoln), Daniel Day-Lewis (excelente nos diálogos tornando Lincoln o centro das atenções como se se tratassem de monólogos) e um Tommy Lee Jones a "encher" o ecrã como sempre.

Até ter visto Lincoln, tinha-o como o grande candidato aos Oscars, especialmente na corrida para Melhor Filme (a Daniel Day-Lewis não escapará, justificadamente, o de Melhor Actor Principal). Contudo, e após o resultado dos Globos de Ouro, e mesmo sem ter visto Argo, o favorito não deverá ser Lincoln. Em grande parte, porque fica a ideia de que poderia ter-se feito algo bem mais grandioso para um tema tão importante.