«Argo» - O suspense em todo o seu esplendor

Argo (2012) poderá não ser merecedor de tudo o que lhe tem acontecido, das mais duras críticas aos prémios que o lançam para uma espécie de panteão do cinema contemporâneo. É um bom filme, cheio de suspense e trata-se de uma história bem contada. Tal como em 00:30 A Hora Negra (2012, crítica aqui), o limiar entre a realidade e a produção cinematográfica tem muito que se lhe diga. No contexto de um retratar de uma história verídica, o que é real e o que é hiperbolizado para o nível "Hollywoodesco"?

Argo: realizado e protagonizado por Ben Affleck, um dos favoritos à vitória no Oscar de Melhor de Filme.
Foto: Beyond Hollywood.

Em Argo, não parece existir um colidir de dúvidas deste calibre. Talvez pela distância a que a história remonta, tudo aquilo que vemos parece-nos credível. O filme conta o momento do "resgate" de seis norte-americanos, trabalhadores na Embaixada do país no Irão aquando da mudança de regime naquele país entre o final da década de 1970 e início dos anos de 1980. Tomamos, por isso, a história contada pelo filme como tendo sido a realidade. As dúvidas (legítimas) que existem quanto ao retrato fiel da história contada em 00:30 A Hora Negra, precisamente por ser de um acontecimento extremamente recente, colocam o filme de Kathryn Bigelow num patamar diferente, para já, na categoria de filme verídico.

A bem da compreensão do filme e da história que se está a contar, Argo começa com uma interessante e apelativa contextualização inicial da realidade da época. Às perguntas "o que vamos ver?", "quem são os protagonistas?" e "o que se está a passar?" - pouco respondidas em Lincoln (2012, crítica aqui), por exemplo - as respostas surgem de imediato e deixam, com as devidas variações, todos os espectadores em pé de igualdade. A somar a este aspecto muito positivo, há a destacar a montagem desse segmento inicial. Misturando imagens de época com outras feitas para o filme, mostra-se um retrato bastante interessante e bem conseguido (realçado no final, no momento dos créditos, por um segmento semelhante).

Partindo do princípio de se tratar de uma história verídica, existirão sempre dúvidas sobre a parcialidade e objectividade constantes de quem conta a mesma. Em Argo, pelo menos do meu ponto de vista, essa situação não parece verificar-se de forma tão clara. É óbvio que se está apenas a caracterizar o lado norte-americano da história, naturalmente exagerado por uma produção de Hollywood, com tudo o que daí advém e com todos os pormenores relevantes que se possam perder pelo meio.

No entanto, também parece ser óbvia a não inclusão de um espírito de "salvação", de dicotomia herói/vilão. Os norte-americanos não são pintados como o maior povo do mundo e os iranianos como o grande inimigo a abater. Tal como a realidade nos mostra todos os dias, a cada segundo que passa, que nada é preto nem branco, sendo tudo uma tela cheia de tons de cinzento, também Argo é uma dessas interpretações dessa cor.

Ben Affleck como Tony Mendez em Argo.
Foto: Beyond Hollywood.

O grande ponto positivo deste filme parece ser, ainda assim, a conjugação de todo o trabalho de realização, sonoplastia, montagem e edição. Não se tratando de grandes trabalhos quando analisados individualmente, todos juntos levam o filme a um outro patamar mais elevado. Isto porque todos estes aspectos, aliados à interpretação dos actores (pouco relevante no contexto do filme, não existindo uma grande profundidade nas personagens, mas bem conseguido, ainda assim), provocam sensações no espectador.

Se há coisa que o cinema (e qualquer outra arte, diga-se) deve fazer é provocar. Não deve deixar quem a um filme assiste indiferente à história que está a ser contada. Ora, Argo empolga, deixa o quem vê intrigado e expectante para ver a próxima cena, o próximo passo dos protagonistas. Ao nível do suspense, está uma obra impecável. O espectador comum vê-se embrenhado naquele contexto, vê-se a sofrer como quem está a viver o que se está a passar e a torcer por um final feliz como quem está do lado de fora.

Muito se falou, também, da injustiça que terá sido a não inclusão do nome de Ben Affleck na lista de nomeados ao Oscar de Melhor Realizador. A par da não nomeação de Katrhyn Bigelow, diz-se terem sido os dois grandes "erros" nas nomeações para esta categoria, a par da ausência de Quentin Tarantino (aqui, sim, um escândalo). Contudo, olhando para Argo e 00:30 A Hora Negra, parece-me ser mais injusta a não nomeação de Bigelow do que a de Affleck. O trabalho do realizador/actor norte-americano é satisfatório mas sem se realçar como o fez, a título de exemplo, Bigelow na grande cena o seu filme, a da captura de Bin Laden.

Será merecedor do Oscar de Melhor Filme? Tenho as minhas dúvidas. Caso ganhe, não é uma vitória incontestável. Essa, para mim, ia para a obra-prima de Tarantino. Mas - e aqui vou repetir-me -, é essencial perceber que, mesmo estando longe de ser um grande filme, Argo, mais do que Lincoln (o mais que provável maior rival no Oscar em questão), provoca sensações a quem vê. Entusiasma e deixa o espectador vibrante, causando uma sensação de empatia bastante grande para com o filme, colocando Argo em pelo menos um degrau acima da obra de Steven Spielberg.