«A Ponte dos Espiões»: A ponte de Spielberg para o humanismo

O mestre Steven Spielberg regressa à cadeira de realização com um sólido A Ponte dos Espiões (2015) após um sensaborão Lincoln (crítica aqui), de 2012, e, agora sim, são merecidas as nomeações conseguidas na edição deste ano dos Óscares. É que, apesar de tudo, um mau filme de Spielberg (não é o caso) é muito melhor do que os melhores filmes de muita gente.

Com o foco voltado para a história verídica do advogado norte-americano James B. Donovan (Tom Hanks) e para a defesa que este fez de um cidadão britânico-soviético (Mark Rylance) acusado de espionagem nos Estados Unidos da América, A Ponte dos Espiões aborda de uma forma dramática mas com algum sentido de humor as agruras de quem assumiu um caso impossível. Só o conceito de termos um advogado a defender o inimigo em plena Guerra Fria daria um filme por si só. Se acrescentarmos a isto todos os pequenos apontamentos, de humor e de tensão, desta história (o argumento tem as mãos dos irmãos Coen, claro!), o produto final só podia ser agradável.

Tom Hanks e Steven Spielberg nas gravações de A Ponte dos Espiões. Foto: Out Now.
Uma vez mais, contudo, Spielberg não se esmera. Este filme não irá para o seu panteão muito pessoal, que coloca também na lista dos melhores filmes de sempre algumas obras da sua autoria. Poderá ser, ainda assim, um ponto alto na carreira de Tom Hanks, que consegue uma interpretação ao seu melhor nível, capaz de deambular pelos lados amargamente angustiantes de quem assume uma certa inabilidade para lidar com o desconhecido, mas também de os contornar com um sentido de humor do qual poucos são capazes de igualar.

Muito mais do que um filme de época - e a caracterização de guarda-roupa, cenários, fotografia, etc. continuam sublimes, como sempre na obra de Spielberg -, é contada uma história. A história de um excerto da vida de um homem que, face à inevitabilidade de vir a ser condenado, assume a sua ausência de receios mas complementa-a com uma frieza racional implacável. Num extraordinário papel de Mark Rylance, este Rudolf Abel tem tudo para ficar na memória de quem vê este filme por uma simples mas poderosa frase: “Ajudaria?”.

Mark Rylance e Tom Hanks em A Ponte dos Espiões. Foto: Out Now.

De novo a entrar por caminhos de afirmação da força norte-americana no mundo, Spielberg reforça o que havia lançado com Lincoln: obras repletas de personagens fortes, altamente caracterizadas pelos seus intérpretes e que se focam na humanização de momentos da história que vão para além de qualquer retrato “hollywoodesco”. A Ponte dos Espiões não será certamente um dos filmes do ano e dificilmente triunfará na noite dos Óscares nas principais categorias mas é mais uma prova em como Spielberg está a mudar o seu reportório. O ponto alto desta fase mais humanista deverá estar para breve e cá estaremos para o apreciar.